O evento, sobretudo musical, mas com algumas intervenções de personalidades de diferentes setores da sociedade, intitulava-se "Baviera contra a extrema-direita" e foi organizado pela "Bellevue di Monaco", uma cooperativa social criada em 2015 em Munique com o objetivo de ajudar a integração dos imigrantes e abrir um centro cultural e de alojamento para jovens refugiados não acompanhados.

Pouco antes do início do evento, ao final da tarde, a Odeonsplatz, uma praça no centro histórico de Munique, a capital da Baviera, já estava a 'abarrotar' e era difícil caminhar entre a multidão, composta por pessoas de todas as idades, muitas das quais com bandeiras (da União Europeia, da comunidade LGBT e de vários partidos de esquerda e sindicatos).

Nos cartazes podiam ler-se 'slogans' como "Munique é colorida", "Votar com o coração" e "Parem o AfD", o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha, principal catalisador da concentração de hoje, face à crescente popularidade de que goza a nível nacional.

"Inicialmente, a ideia era organizar este evento na Max-Joseph-Platz, que fica já ali, a cerca de 200 metros, mas a manifestação foi de tal forma partilhada nas redes sociais e noticiada nos jornais que mesmo as autoridades de Munique decidiram transferi-la para aqui, por motivos de segurança", explica à Lusa um membro da organização, Grisi Ganzer, que estima a multidão concentrada na Odeonsplatz em cerca de "6 mil a 8 mil pessoas".

De acordo com Ganzer, que faz parte da associação "Bellevue di Mónaco", um dos principais propósitos do evento, a quatro dias das eleições regionais nos estados da Baviera e do vizinho Hesse, é apelar aos "partidos ditos do centro que parem de adotar os slogans, ideias e conceitos da extrema-direita", um fenómeno em crescendo na Alemanha, onde os partidos do 'mainstream' têm endurecido o seu discurso, sobretudo na matéria das migrações, numa tentativa de captar eleitores que estão a ser seduzidos pelo AfD.

Uma das poucas oradoras de uma manifestação com um cariz festivo e musical foi uma atriz alemã, Claudia Hinterecker, que, em declarações à Lusa, explicou que vive numa pequena localidade próxima de Munique, onde diz sentir um crescente racismo e atitudes contra a comunidade LGBT, ainda que seja governada por "partidos normais".

"Um dos grandes problemas", diz, é precisamente o facto de os partidos do centro do espetro político estarem a adotar posições cada vez mais semelhantes com a da extrema-direita, uma tendência que, na sua opinião, já se pode ver nos dois partidos que formam o governo da Baviera, a União Social-Cristã (CSU) -- partido 'gémeo' da União Democrata-Cristã (CDU) - e o partido populista Eleitores Livres (FW, na sigla em alemão).

"Estou aqui porque organizámos no último domingo um festival contra o racismo e em defesa da democracia, e quero partilhar a experiência", conta a atriz, para quem "há uma ameaça real aos valores democráticos hoje em dia na Alemanha", que é necessário combater, razão pela qual ajudou a organizar o evento na sua localidade, intitulado "Gritamos Mais Alto".

"Gritamos mais alto do que aqueles que berram insultos. Se vamos conseguir continuar a gritar mais alto do que eles? Sem dúvida, temos mesmo de conseguir", diz.

Perto do palco, Achim Waseem Seger, um músico natural de Munique mas com raízes egípcias, distribui panfletos, de promoção de um novo movimento político, o "Die Urbane", que ajudou a criar e pelo qual se candidata mesmo ao parlamento regional da Baviera nas eleições de domingo, numa aliança com o partido de extrema-esquerda "Die Linke" ("A Esquerda").

Em declarações à Lusa, explica que chegou à conclusão que "ser ativista não chega, pois é preciso estar em posições de poder político para fazer pedagogia sobre o combate ao racismo e contra o colonialismo, e dar voz àqueles que sofrem o racismo na pele", como o próprio diz sentir na sua cidade natal, "muitas vezes".

"É um partido composto sobretudo por 'pessoas de cor' e do 'hip hop'. Na minha perspetiva, todos os outros partidos, incluindo o SPD [o partido socialista do chanceler Olaf Scholz], são de direita", diz Achim Seger, que admite que gostaria de atuar e falar no palco montado na Odeonsplatz, mas não o pode fazer pois o evento não se destina a responsáveis políticos, o seu novo estatuto.

Com o aproximar do início do evento, um jovem casal chega à praça com o seu filho, transportado em ombros pelo pai e empunhando um pequeno cartaz onde se pode ler o slogan da manifestação de hoje, "Baviera contra a extrema-direita".

"Estamos aqui hoje porque é importante mostrar que, apesar de o AfD estar a crescer e a ficar mais forte, somos muitos mais os que não fazem parte deste fenómeno, independentemente do partido em que votamos. É uma questão de ter humanidade ou não ter humanidade", diz Julia à Lusa.

Lamentando igualmente que os partidos tradicionais estejam a imitar os 'tiques' da extrema-direita e que hoje "aparentemente já se possa dizer tudo, inclusive coisas que há poucos anos simplesmente não seriam aceites", Julia concorda que o AfD é uma ameaça real e faz lembrar tempos sombrios.

"Os meus avós ainda são vivos e estão extremamente alarmados, porque assistiram ao tempo de glória dos nazis e não percebem como não se aprendeu com o passado", afirma.

A seu lado, o marido Lucas acrescenta: "estamos aqui porque gostamos de aqui viver e queremos que continue a ser um sítio onde seja bom viver".

Quem não sente facilidade em viver na Alemanha é Raphael, um jovem tanzaniano que chegou há quatro anos à Alemanha e diz à Lusa sentir frequentemente o racismo e as dificuldades de integração dos imigrantes e refugiados.

"Eu não creio que haja racismo, eu sei que há. Experimentei-o várias vezes, no dia a dia. Nas grandes cidades, nem tanto, mas nas localidades mais pequenas e aldeias é terrível", diz, apontando que "apenas quem vive na Alemanha pode aperceber-se da dimensão do fenómeno".

Um fenómeno que parece ter tendência para aumentar, atendendo a que o AfD, considerado o partido alemão de extrema-direita de maior sucesso desde o partido nazi, é atualmente a segunda força política nas intenções de voto dos alemães à escala nacional.

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