“Senhoras e senhores, uma salva de palma para Francisco Ferrari”. Tomás Wallenstein está ao piano, já vamos no encore. Nesse momento, uma aparição inesperada, curta e intensa: enquanto o vocalista de Capitão Fausto evoca o amigo e ex-teclista da banda — que anunciou a sua saída recentemente — eis que este surge no palco e protagoniza um dos momentos mais bonitos do concerto que esgotou em pouco tempo a Culturgest esta quarta-feira, 3 de abril.

A pièce de résistance de um espetáculo que se fez de homenagens, despedidas e memórias — de passado, presente e futuro: Ferrari (ou Ferreira) toma, nesse momento, conta das teclas e despede-se de uma etapa de vida. Diz adeus ao seu público e à banda com quem partilhou estúdio, estrada e palco ao longo de mais de uma década. Os Capitão Fausto vêem, pela primeira vez, um membro fundador a deixar o clã: o conjunto é agora formado por Tomás Wallenstein (voz), Domingos Coimbra (baixo), Manuel Palha (guitarra) e Salvador Seabra (bateria). 

Nesse momento, interpreta-se “Nunca Nada Muda”, primeiro single de “Subida Infinita", quinto álbum de estúdio do coletivo lisboeta, o último que contou com a participação do teclista. Um espelho fiel daquilo que representa o novo trabalho composto por dez canções: no sucessor de “Invenção de um Dia Claro” (2019) continuam a cantar-se dores de crescimento, mas agora de quem acumula mais mundo e bagagem — dores de quem sabe que não existem certezas, de quem já gerou vida (muitos dos elementos da banda já são pais), se confrontou com a morte e viu chegar as angústias da finitude.

Capitão Fausto
créditos: Vera Marmelo

“Quem toca novas, toca antigas”: de “Corazon” a “Santana”

Os anos vão-se somando. Hoje, brincam sobre as rugas que “já são mais do que duas”,  falam sobre “ver a família a crescer”, revelam que sabem “falar com a dor”. É assim que começa a noite na Culturgest: a abrir o espetáculo “Subida Infinita”, “Andar à Solta” e “Carrego um Fardo”, temas do novo trabalho. Vestidos a rigor (como de costume, todos os elementos estão de fato e Wallenstein destaca-se por estar com um look branco quase integral), não são apenas os atuais quatro elementos do conjunto que se apresentam em palco. A digressão conta com a participação de Miguel Marôco, (em 2023 lançou o seu segundo disco “Eternidade”), e de Fernão Biu, membro dos Zarco, ágeis e divertidos no domínio das teclas e da guitarra e sopro, respetivamente. Os dois elementos — o Senhor Rigor e o Senhor Boémio, detalhou Domingos Coimbra — fazem parte do universo Cuca Monga, coletivo e editora fundada pelos Capitão Fausto.

“Quem toca novas, toca antigas — ou semi-antigas”, lembra o baixista. Vamos a isso: “Faço as Vontades”, “Sempre Bem”, “Corazon”, agora com uma sonora colaboração do público, que bate palmas ritmadas, motivadas pela banda. Depois de um arranque calmo, com uma plateia ainda a familiarizar-se com as canções de um álbum lançado a meados de março (as letras ainda não estão, evidentemente, na ponta da língua), embarcamos numa odisseia que atravessa os registos mais marcantes do repertório dos Capitão Fausto. Temas antigos misturam-se com os novos, num alinhamento que revela as diferenças fundamentais entre o antes e o agora. 

Do lado do antes, continuamos a percorrer “Têm os Dias Contados” (2016) e “Invenção de um Dia Claro” — tocam  “Amor a Nossa Vida”, a “Morro na Praia”, “Amanhã Tou Melhor”, ou “Boa Memória”. Quanto mais distante, mais intensa a viagem, que atinge o clímax com “Santana”, canção do álbum de estreia da banda, “Gazela” (2011). Já ninguém segura o público nas cadeiras. Está toda a gente a dançar.

Capitão Fausto
créditos: Vera Marmelo

“Vale a pena ter amigos, por mais que eu saiba que alguns vão partir”. Tomás Wallenstein está ao piano e interpreta “Nada de Mal”. Foi dos temas que, no novo trabalho, mais tempo levou a concluir, confessa. “Marca uma coisa a que não estamos habituados: a lidar com a inexistência de alguém”. O vocalista refere-se à morte de Gastão Reis, outro membro dos Zarco, vítima de um desabamento de um prédio em Lisboa, em 2020. “Mas a verdade é que as pessoas não deixam de existir completamente”. 

Entre os dois últimos álbuns, houve luto, nascimento e mudança. Os Capitão Fausto já não são os mesmos e isso é bom sinal. Fazem menos vontades para agradar à mãe, já não estão a decidir o que vão parecer. Sabem quem são. A vida aconteceu-lhes e eles cresceram. E nós, que também seguimos nesta subida infinita, crescemos com eles.

“Subida Infinita” regressa à Culturgest esta quinta-feira e sexta-feira, 4  e 5 de abril, e segue depois em digressão pelo país. Veja aqui as datas.