A Inteligência Geral Artificial (AGI) trata-se da possibilidade de os assistentes virtuais, por exemplo, desenvolverem a capacidade de compreender ou aprender qualquer tarefa intelectual desempenhada pelos seres humanos e, com base nisso, replicar comportamentos para solucionar questões diversas. Colocando de outra forma, é a capacidade de uma máquina navegar pelo mundo como qualquer humano faria – mas para já, é apenas hipotético.

Para Daniel Dines, cofundador e CEO da UiPath, uma plataforma de automação de processos robóticos, podemos estar a “tanto apenas a alguns anos, como a milénios” dessa realidade. Para já, “a nossa tecnologia não é capaz de simular a forma como as pessoas pensam”. Hoje, a IA apenas “consegue correlacionar eventos, mas não compreende a causalidade” e não existe nenhum modelo que seja capaz de o fazer até ao momento.

A Daniel Dines, neste debate sobre o futuro da inteligência artificial e o seu impacto nas nossas vidas, juntou-se ainda a portuguesa Daniela Braga, fundadora da empresa de dados Defined.ai, numa conversa moderada pelo jornalista da DW Janosch Delcker, no palco central da Web Summit.

A empresária portuguesa escusa previsões sobre o desenvolvimento da tecnologia AGI e usa o filme ″2001: Odisseia no Espaço″, de Stanley Kubrick, para mostrar como a realidade tecnológica em 2000 estava muito longe da realidade expectável retratada no filme de 1968.

A fundadora Defined.ai (anteriormente conhecida como DefinedCrowd) integra um grupo de trabalho, para o qual foi nomeada em junho, que vai definir a estratégia para a inteligência artificial nos EUA e aconselhar a administração de Joe Biden. A sua empresa, com sede nos Estados Unidos e escritórios em Portugal e no Japão, produz dados de voz, texto e imagem para sistemas de inteligência artificial e aprendizagem automática.

Mesmo com todos os avanços na área da IA, não há nenhuma criação ou modelo mais “inteligente” do que o ser humano. Agora, com a AGI no horizonte, a pergunta que se coloca em primeiro lugar é ainda mais complexa: alcançar esta tecnologia deve sequer ser um objetivo?

Daniela Braga salienta que para “alcançar determinados saltos de desenvolvimento tecnológico a humanidade demora o seu tempo”. Aos cientistas preocupa sobretudo alcançar essa “tecnologia indistinguível dos humanos”, mas não há como deixar os dilemas éticos fora desta equação. Esta é, aliás, outra das questões que Daniela Braga está a endereçar com a task-force da administração de Biden, por forma a avaliar o que deverá ser regulado, certificado e quais as normas a aplicar em função destes desenvolvimentos tecnológicos.

“Penso que haveremos de chegar lá [à Inteligência Geral Artificial], porque ninguém consegue impedir o desenvolvimento da tecnologia, é imparável, mas precisamos de criar limites e diretrizes para nós, humanos, lidarmos com ela”, defende a empreendedora.

Daniel Dines concorda e questiona: “se tudo se resume a nós, pessoas, então porque não [seria possível dominar a AGI]?”. O CEO da UiPath afirma ainda que se formos capazes de criar e simular esta inteligência geral artificial, então a evolução será “dramática” potencialmente infinita, pois a AGI poderá criar outra AGI e assim sucessivamente.

Todavia, afasta qualquer tipo de preocupação sobre o rumo que a AGI tomar, argumentando que o que o preocupa é mesmo “a pobreza e a fome, e não a IA”.

A fundadora da Defined.ai remata dizendo que a preocupação não é a tecnologia em si, mas quem a cria: “somos nós, os humanos, e a forma como usamos a tecnologia, como cuidamos do nosso planeta, como ensinamos os nossos robôs”, conclui.

Europa fora da corrida pela inteligência artificial

Daniela Braga diz ainda que “já há uma corrida” para chegar à AGI, e alerta que a Europa não está nela. “Vai ser uma corrida entre os EUA e a China e é uma questão de recursos: ambos os países estão a colocar 70% dos recursos de IA nisto, com regras e acesso a dados diferentes, e não é certo ou errado, é apenas diferente”, diz a empreendedora.

Dines vê mesmo a empreitada para alcançar a AGI como um grande esforço de investigação global, argumentando que não parece ser possível, neste momento, apenas uma nação ter a capacidade de desenvolver a tecnologia.

O CEO da UiPath comentou ainda a observação de Daniela Braga, afirmando que “o risco que temos na Europa é tornarmo-nos consumidores de IA, por isso, podemos acabar por ter de pagar a esses países [Estados Unidos e China]”, e exemplifica: “apesar de todos os regulamentos, se a China inventar uma IA que detete o cancro, vamos usá-la independentemente de gostarmos ou não e, por isso, é melhor desenvolvermo-nos”.

Os países que lideram o desenvolvimento e o uso da IA vão ter a oportunidade de moldar o futuro da tecnologia e melhorar a sua competitividade económica, enquanto os que ficarem para trás podem perder setores-chave.

Daniel Dines defende ainda que os regulamentos devem ser ajustados para casos de uso diferentes, afim de evitar a aplicação das mesmas regras a tudo, e que se a regulamentação for desenvolvida por pessoas que não compreendem a tecnologia, isso pode criar problemas.

A utilização da IA ainda não está suficientemente regulada, o que pode levar à violação de direitos individuais, exortando a necessidade de concertação numa regulamentação geral.

Em 21 de abril de 2021, a Comissão Europeia apresentou o primeiro pacote legislativo para regular e regulamentar o domínio da inteligência artificial e as regras que venham a ser aprovadas serão diretamente aplicáveis nos Estados-Membros sem necessidade de transposição.

A Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, aprovada em maio pela Lei n.º 27/2021, que pretende garantir liberdades e direitos fundamentais constitucionalmente consagrados também no espaço digital e visa a IA.

Inteligência Artificial vai ajudar-nos ou substituir-nos?

A automação é um dos principais ganhos obtidos com a inteligência artificial. Associada à robótica, esta tecnologia parece ser uma força poderosa que permite, facilmente, descartar a necessidade de mão-de-obra humana. A IA permite que máquinas aprendam com experiências e que se ajustem a novos dados e desenvolvam algumas tarefas como seres humanos, mas para os especialistas, é necessário desmistificar esta ideia de que as máquinas vão tomar conta do mundo.

Para Dines, “a automação é um dos grandes motores de progresso ao longo da história”. “Há muitas tarefas que fazemos diariamente que são repetitivas por natureza – fazemos muito ‘copy paste’ entre diferentes aplicações, preenchemos formulários e penso que nenhum de nós está realmente interessado em fazer este trabalho. Pelo contrário, são aborrecidos, sugam energia, além de terem muito pouco valor para nós. Se tivermos um robô, ou software, ou assistente de IA que possa assumir estas tarefas, penso que é muito útil”, argumenta.

O CEO garante ainda que em todas as pessoas que vê “a trabalhar lado a lado com robôs” vê alegria e não medo. “O robô, de facto, tira o ‘robô’ das nossas células. Evitamos ficar presos no trabalho manual repetitivo graças à tecnologia, o que nos ajudou a ter melhores empregos, a usar a nossa criatividade, inteligência ou habilidades sociais. Acredito verdadeiramente que isto faz parte do progresso”, conclui Daniel Dines.

Daniela Braga também minimiza este receio de que os robôs vão tirar os empregos às pessoas: “Os robôs não nos vão tirar os empregos, vão apenas fazer aquilo que não queremos fazer”, diz, referindo-se às tarefas repetitivas e aborrecidas.

A evolução tecnológica já nos colocou no “futuro” e estes sistemas de IA, cada vez mais avançados, tanto podem ajudar-nos a deixar de lado as tarefas mais rotineiras, como podem levar a que determinadas atividades profissionais se venham a tornar obsoletas. Se é verdade que estamos longe de um futuro em que a sociedade será toda servida por robôs, também é facto que o desenvolvimento tecnológico caminha em passos largos e que os problemas que hoje antecipamos podem ser apenas a "ponta do iceberg". Como Elon Musk resumiu num 'tweet', em 2014: "Temos de ser super cuidadosos com a IA. Potencialmente mais perigosa do que as armas nucleares".