A iniciativa é fruto do trabalho do padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral da Rua, que atende os sem-abrigo na igreja situada no bairro da Mooca, zona leste de São Paulo.

Vivian Luciano de Sousa Aranha perdeu a casa onde vivia, numa favela, quando fortes chuvas caíram em São Paulo, este ano. Desde então, vive com a filha e uma neta em albergues públicos, onde agora tem medo de ser contaminada.

“É complicado, porque o albergue não é um lugar muito bom, tem muita gente, e o Governo está sendo muito negligente em relação a este vírus. Não está tendo uma distribuição de álcool em gel e máscaras”, denunciou.

A sem-abrigo elogiou o trabalho do padre Lancellotti, que lhe permite complementar a alimentação da família e obter material de proteção, incluindo gel desinfetante e máscaras.

À Lusa, o padre Lancellotti, que convive com pessoas que vivem na rua há muitos anos, lembrou que o drama de não ter onde morar se agravou, desde que aumentaram os casos de infetados pelo novo coronavírus entre os mais pobres de São Paulo e no resto do Brasil.

O religioso, que já oferecia pequeno-almoço aos sem-abrigo, decidiu começar a distribuir também material de proteção contra a covid-19 para colmatar as falhas do Governo.

“O poder público não oferece máscaras para as pessoas. A rede social onde eles [sem-abrigo] estão não garante que eles tenham equipamentos de proteção, nem álcool em gel, nem máscaras”, explicou o padre.

“Nós fazemos esta partilha como um sinal de anúncio e de denúncia. Esta população tem de ser protegida também. Como vai ter isolamento social para quem vive na rua?”, acrescentou.

O religioso frisou que nesta iniciativa em favor dos sem-abrigo “não é só dar o álcool em gel na mão, é lutar pela saúde. Não é só dar uma máscara, é olhar o rosto dessa pessoa”.

A ação é um pequeno contributo para proteger esta população na metrópole brasileira de 12,1 milhões de habitantes, onde o número de sem-abrigo cresceu muito nos últimos quatro anos, subindo de 15.905, em 2015, para 24.344 em 2019 (um aumento de 53%, segundo o último censo realizado pela autarquia).

A Igreja São Miguel Arcanjo serve todos os dias o pequeno-almoço a cerca de 600 pessoas, uma iniciativa que conta com a ajuda de voluntários e donativos.

Antes de comer, os sem-abrigo têm as mãos higienizadas e recebem máscaras, além de água, frascos de álcool em gel e um lanche extra para o resto do dia.

Na frente da igreja de São Miguel, no dia em que a Lusa lá esteve, pouco depois das sete da manhã, já dezenas de pessoas formavam filas e comiam.

Bruno Max de Oliveira vive nas ruas de São Paulo desde os oito anos, depois de ter perdido os pais, vítimas de um acidente. Desde que a pandemia chegou ao país, passa a maior parte do tempo à procura de trabalho, acompanhado pela mulher e uma cadela de estimação.

“Está difícil ficar sem trabalhar, sem poder fazer nada, dependendo de ajuda. Viver na rua é muito arriscado, junto com muitas pessoas que não se cuidam”, lamentou.

David Pereira Santos foi até à igreja para receber comida e aproveitou para pedir uma Bíblia, alegando não ter outras atividades para fazer a não ser ler. O brasileiro garantiu à Lusa que as dificuldades que enfrenta nas ruas, onde vive há dois anos, se agravaram com a pandemia.

“A vida para quem mora na rua já era bastante difícil, agora com a pandemia isto multiplicou muito. Está bastante perigoso. A nossa rotina mudou, claro, por causa dos riscos, mas, por outro lado, a ajuda aumentou e tem mais gente olhando para nós agora, nesta situação. Acho que vamos conseguir dar a volta por cima e sair desta [situação]”, ponderou.

Elias Silva Santos também tem medo do vírus, que considera “um inimigo invisível”.

“É muito difícil lidar com uma situação dessas, com uma coisa que a gente não sabe onde pega, como que pega. Aliás, a gente sabe como pega, mas é uma coisa invisível. Então vamos pedir a Deus para evitar esta contaminação. Tem pessoas do convívio que eu vi que já pegaram. Algumas faleceram”, contou.

Até 06 de maio, pelo menos 22 sem-abrigo morreram vítimas de covid-19 na maior metrópole brasileira, epicentro dos casos de coronavírus no Brasil, segundo dados da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo, e há 40 casos suspeitos entre esta população.

A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou perto de 300 mil mortos e infetou cerca de quatro milhões de pessoas em 195 países e territórios.

O Brasil é um dos países mais atingidos, com cerca de dez mil mortos e perto de 150 mil casos.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.

Para combater a pandemia, os governos mandaram para casa 4,5 mil milhões de pessoas (mais de metade da população do planeta), encerraram o comércio não essencial e reduziram drasticamente o tráfego aéreo, paralisando setores inteiros da economia mundial.