O adiamento do escrutínio foi viabilizado através da aprovação, em sessão extraordinária, de um projeto de lei de revisão pontual da Constituição da República submetido pela bancada da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido com maioria qualificada de 184 deputados no parlamento, que tem 250 assentos.

Na decisão de hoje, em definitivo e na especialidade, todos os 174 deputados da bancada do partido no poder presentes na sessão votaram a favor do projeto.

Do lado dos deputados presentes da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição, votaram 40 contra, e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceiro partido, quatro.

A bancada do partido no poder já tinha votado a favor, na generalidade, enquanto as duas bancadas da oposição rejeitaram a proposta.

Fundamentando o voto a favor da Frelimo, o deputado do partido no poder e antigo primeiro-ministro Aires Ali disse que não "há condições objetivas, legais, materiais e financeiras para a realização das eleições distritais em 2024".

"A implantação dos órgãos de governação distrital descentralizada apresenta um potencial iminente e incontornável risco de alastramento dos constrangimentos da governação descentralizada provincial para os 154 distritos do país, gerando conflitos de competências entre os órgãos de descentralização distrital e autárquica", declarou Ali.

Por seu turno, José Manteigas, porta-voz e deputado da Renamo, acusou a Frelimo de "linchamento e bloqueio da Constituição, por negar o direito dos habitantes dos 154 distritos moçambicanos de elegerem os seus governantes locais".

"Esta pretensa revisão representa o cúmulo da ditadura e sobreposição à vontade dos cerca de 30 milhões de moçambicanos e é um autêntico bloqueio ao desenvolvimento dos distritos, que são o rosto visível da pobreza instalada no país há meio século", enfatizou Manteigas.

A revisão constitucional, prosseguiu, pode desencadear mais um ciclo de violência política no país, porque a realização das eleições distritais é parte do acordo assinado entre o Governo da Frelimo e a Renamo para acabar com a confrontação armada entre as forças governamentais e o braço armado do principal partido da oposição, na sequência das eleições gerais de 2014.

Para o deputado e porta-voz da Renamo, o adiamento das eleições distritais é um golpe constitucional, porque a decisão devia ser através de um referendo, porque interfere no direito fundamental de eleger e ser eleito.

O MDM considerou que o adiamento das eleições significa "rasgar sem escrúpulos a Constituição", sustentando que o escrutínio "foi fruto de acordos políticos visando trazer a paz" ao país.

"Esta atitude é irresponsável, discriminatória e pode provocar cisões fratricidas na sociedade moçambicana, a curto, médio e longo prazos", declarou Elias Impuire, deputado do MDM, terceira bancada da Assembleia da República.

A reunião parlamentar de hoje foi marcada por uma forte crispação entre os deputados das três bancadas e durou cerca de dez horas, com várias interrupções para a apresentação de questões prévias e divergências sobre procedimentos que devem ser seguidos num debate de revisão constitucional em sessão extraordinária.

Em 10 de julho, o Governo moçambicano anunciou a criação da Comissão de Reflexão sobre o Modelo de Governação Descentralizada (Cremod), com objetivo de promover o debate sobre o processo de descentralização do país e auscultação pública sobre o melhor modelo de devolução do poder às comunidades locais.

A previsão legal de eleições distritais resultou de entendimentos firmados entre o Governo moçambicano e a Renamo, no âmbito do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional de 2019, e visava permitir a eleição dos administradores, deixando estes cargos de ser ocupados por nomeação do executivo central, como acontece atualmente.

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