Durante uma visita de 12 dias, entre 27 de novembro e 08 de dezembro, membros do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para Promoção de Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei da ONU visitaram as cidades de Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro para avaliar a aplicação das leis e o combate ao racismo no país.

Os especialistas reuniram-se com representantes da sociedade civil e familiares de vítimas, bem como autoridades públicas federais e estaduais, incluindo representantes de ministérios, autoridades policiais, órgãos de fiscalização interna, oficiais do sistema prisional, e promotores e defensores públicos.

Numa conferência de imprensa, membros do mecanismo avaliaram que já há algumas práticas positivas executadas pelos governos central e regionais para garantir os direitos humanos da população afrodescendente.

Entre os aspetos positivos, destacaram o reconhecimento da existência de racismo sistémico e a determinação de implementação de cotas para o aumento da representação desta população em todos os níveis e esferas do Governo.

Porém, Juan Mendez, membro do Mecanismo de especialistas da ONU, explicou que também se depararam com "os testemunhos dolorosos que ouvimos de familiares das vítimas da brutalidade policial, agravados pelos atrasos angustiantes do sistema de justiça, ressaltam a necessidade urgente de responsabilização."

O Mecanismo de Especialistas ouviu mais de uma centena de testemunhos durante a sua visita. Os depoimentos incluíram casos referentes às operações policiais recentes nas favelas do Jacarezinho e Vila Cruzeiro, no estado do Rio de Janeiro, a Operação Escudo realizada pelo governo regional do estado de São Paulo na baixada santista, e operações policiais realizadas em Salvador, no estado da Baía.

"Na sua busca incessante pela justiça, vítimas e familiares têm de enfrentar ameaças, intimidações, represálias e estigmatização. É crucial que este ciclo chegue ao fim", disse Tracie Keesee, membro do Mecanismo de Especialistas.

"A garantia do acesso adequado à justiça e a responsabilização dos perpetradores em toda a cadeia de comando são de extrema importância", acrescentou.

Os especialistas da ONU reconheceram que as taxas de criminalidade no Brasil permanecem elevadas, principalmente devido ao aumento da atividade do crime organizado, o que afeta a população afrodescendente e aumenta os desafios postos ao Governo brasileiro.

"No entanto, a tarefa legítima de promover a segurança de cidadãos e cidadãs nunca deve ser interpretada como uma justificativa para execuções extrajudiciais de pessoas afro-brasileiras", avaliou Mendez.

"Reconhecendo o valioso serviço de oficiais das forças policiais brasileiras, também é imperativo reconhecer o impacto do trabalho na sua saúde mental e no bem-estar dos seus familiares (...) O cuidado com o seu bem-estar e as suas condições de trabalho não apenas melhora o seu desempenho, mas também contribui para os esforços coletivos por uma sociedade justa e igualitária", destacou Keesee.

Os especialistas apelaram a "uma mudança transformadora em todo o sistema. O Governo brasileiro deve reavaliar os procedimentos atuais de investigação da má conduta policial, desmantelar as desigualdades raciais sistémicas e investir na abordagem direta das disparidades históricas que residem na raiz dessas questões".

O Mecanismo compartilhou algumas conclusões e recomendações preliminares com o Governo e elaborará um relatório completo, que será apresentado na 57.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, em setembro de 2024.

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