"É a minha terceira participação. Já fiz o Dakar de moto, de SSV e agora faço com um clássico. Foi muito desafiante e não tinha noção para o que ia", começou por explicar ao SAPO24 o piloto luso moçambicano. 

"Nos Clássicos existem várias componentes em competição como a regularidade, que nos impõe a velocidade, há velocidade média de X em X quilómetros, onde temos de andar sempre a gerir. Por fim, tens a navegação, através de roadbook", enumerou Oliveira.

Às dificuldades enumeradas por Paulo Oliveira acrescenta-se o próprio terreno e a competição com carros com mais de 20 anos de idade. É aí que surgem muitas das histórias para os competidores do Dakar Classic e a dupla Oliveira/Couto não é excepção.

"Com o nosso UMM, se havia uma média de 90 quilómetros por hora, tinha de se ir a cerca de 100 quilómetros por hora, isto para estabilizar a média" caso houvesse algum percalço que os fizesse abrandar durante essa média. "Fazer isto nas dunas, com carros com mais de 25 anos é um enorme desafio".

E é aí que começam as histórias...

"Logo na segunda etapa encontramos uma manada de 20, 30 camelos. Eu tive de sair da rota que o Arcélio me indicava, para não bater neles e quando vinha a voltar para o percurso, o Arcélio diz-me ‘Paulo, não podemos baixar a média!’. Eu continuei a acelerar, estava a ver a pista lá à frente e dou um salto, que não estava assinalado no roadbook, pois estávamos fora do percurso, e a nossa roda da frente fica empenada. Não conseguimos arranjar, para não empenar o chassis, e fomos até ao fim assim", contou Oliveira. 

A situação deixou logo um sabor agridoce na dupla, que começou bem a prova com um sétimo lugar na etapa prólogo, e um lugar entre os dez primeiros na primeira etapa, estando "a lutar com os melhores carros do pelotão, os Toyota e os Mitsubishi Evolution e dois Porsche, que tinham o apoio da marca alemã. Todos se admiravam como estava um UMM (União Metalo-Mecânica) no meio daquilo tudo".

"Na quinta etapa, de 450 quilómetros de areia, com os desafios já mencionados de navegação, dunas e teste de regularidade, no final até tive de pedir ao Arcélio para levar o carro. Tínhamos saído às três da manhã do bivouac, tínhamos uma ligação para lá chegar de 150 quilómetros, mais a especial, e depois tínhamos mais 200 quilómetros de ligação. Tive de dizer ao Arcélio para conduzir, estava cansadíssimo, estourado".

"Fizemos caminho e, de repente, a roda de trás solta-se, passados cinco quilómetros, e ficámos sem roda. Fomos ver o que tinha acontecido e partimos o eixo traseiro e o semi-eixo. Ligámos logo para a assistência para nos arranjarem uma peça. A assistência garantia-nos que tinham mandado a peça, mas infelizmente a peça tinha ficado em Portugal. Lá veio a peça de Portugal e por isso acabámos por cair na classificação", explicou. 

Apesar dos contratempos, a dupla nunca desistiu, tendo continuado com "cuidados paliativos" no 'velhinho' UMM. "Um dia partimos a fixação do nosso radiador, não aparecia o soldador especialista em alumínio e tivemos de ir com aquilo amarrado com cintas. O problema do nosso carro é que acabou a sua produção em 1996 e já não há peças. As nossas peças de substituição iam, por vezes, mais gastas do que as peças que lá estavam", afirmou Oliveira. 

"No último dia, a etapa estava a desenhar-se para o nosso carro. Não era muito rápida, havia muita pedra e era muito dura. Eram 'apenas' 45 quilómetros de especial. Para o nosso UMM poderia ser bom. Começámos e até ao quilómetro 30 estávamos a liderar. Começámos a apanhar os concorrentes, começámos a levar com poeira, não víamos nada à frente e a sete quilómetros do fim a nossa caixa de velocidades partiu… Ficámos engatados em quarta velocidade. Acabámos o último dia e a última etapa com a caixa de velocidades partida, encravada em quarta".

Como todos os ralis, a competição acaba quando os concorrentes chegam ao pódio. Assim, Oliveira e Couto ainda tinham cerca de 100 quilómetros para chegar ao pódio, onde receberiam a medalha de Dakar Finisher, que é atribuída a todos os concorrentes da categoria Clássicos que terminem a prova.

"No final da etapa, não conseguíamos desengatar o carro [de quarta velocidade]. Desliguei o carro e quando foi para arrancar tive de ligar o 4x4 e com um pequeno embalo consegui começar a andar. Fizemos cerca de 100km até ao palanque final, mas depois quando chegamos percebemos que o carro não ia subir. Então, o Arcélio sai do carro, vai por baixo da caixa, lá consegue engatar uma segunda marcha e lá fomos nós subir ao palanque e depois regressamos assim. Foi muito giro", contou Oliveira com um sorriso no rosto.

Uma das grandes atrações da edição de 2024 foi a etapa maratona. No seio da equipa #724, mais um dos regressos ao passado, foi vivido "sem problemas nenhuns. Foi muito giro". 

"Este ano chegámos cedo, na altura das motas e normalmente a organização leva as tendas para as motos, pois eles não conseguem levar. Como chegámos cedo, ficamos com o top20 dessa categoria. Ficámos ali quietinhos, escondidinhos, nem montamos a nossa tenda", explicou. "Ficamos ali com os vencedores do Dakar em motas, ficámos com o pessoal da Honda e da KTM e estivemos com os pilotos portugueses como o António Maio, o Mário Patrão, o Rui Gonçalves e o Bruno Santos. Infelizmente o [Sebastian] Bühler - piloto alemão que vive em Portugal - e o Joaquim Rodrigues já tinham desistido".

"Basicamente, estivemos com os nossos amigos, porque eu e o Arcélio vimos das motos, então é sempre uma diversão", recordou Paulo Oliveira. "Como o horário dos clássicos é parecido ao das motos, conseguimos ter sempre um tempo para partilhar experiências. Muitas vezes jantávamos juntos. Juntámos um bom grupo ali de portugueses. Passa-se muito melhor assim", relembrou Oliveira.