O ex-presidente do extinto Banco Privado Português (BPP) João Rendeiro, que estava fugido à justiça em parte incerta, era alvo de um mandado de detenção internacional.

Segundo o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, João Rendeiro chegou à África do Sul no dia 18 de setembro e reagiu com surpresa à detenção.

O ex-banqueiro foi detido hoje de manhã no norte da cidade portuária de Durban, sudeste da África do Sul, e será ouvido em tribunal na segunda-feira.

“Ele já estava sob nossa vigilância e assim que a necessária documentação chegou prendemos este indivíduo, esta manhã, em Umhlanga Rocks, norte de Durban”, disse o porta-voz do comissário nacional da polícia sul-africana Vishnu Naidoo, à Lusa.

O porta-voz policial sul-africano adiantou que o ex-banqueiro, sobre quem pendia um mandado de detenção internacional, encontra-se detido numa esquadrada da polícia, em Durban, e comparecerá no Tribunal da Magistratura de Durban na segunda-feira como parte do processo de extradição. Será posteriormente decidida a medida de coação a aplicar a Rendeiro.

Segundo a PJ, João Rendeiro pode ser extraditado, sendo que o objetivo agora é “decretar o cumprimento da prisão” de João Rendeiro.

Portugal não tem um acordo de extradição com a África do Sul, mas existem acordos de cooperação.

Segundo Luís Neves, Portugal "tem ainda alguns formalismos a cumprir" com os parceiros sul-africanos, mas  "contrariamente ao que foi dito, há possibilidade de extraditar esta pessoa".

Já sobre a escolha da África do Sul como país de refúgio, Luís Neves diz que a PJ está "convencida" de que "foi um apoio pessoal inicial que lhe permitiu ser recebido e estar escondido nos primeiros tempos" e "que através de um determinado mecanismo legal que existe na África do Sul, através de algum investimento, que ele [Rendeiro] pudesse pensar que tinha a possibilidade de não ser extraditado. Mas desde o primeiro contacto que tivemos com os nossos parceiros vislumbramos que é possível extraditar", reiterou.

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O Caso BPP

Rendeiro e outros ex-administradores do BPP estavam acusados de crimes de fraude fiscal qualificada, abuso de confiança qualificado e branqueamento de capitais por factos que ocorreram entre 2003 e 2008, na sequência de se terem atribuído prémios e apropriado de dinheiro do banco de forma indevida.

O tribunal deu como provado que os arguidos João Rendeiro, Fezas Vital, Paulo Guichard e Fernando Lima retiraram, no total, 31,280 milhões de euros para a sua esfera pessoal. Do valor total, mais de 28 milhões de euros foram retirados entre 2005 e 2008.

João Rendeiro retirou do banco para si 13,613 milhões de euros, Salvador Fezas Vital 7,770 milhões de euros, António Paulo Guichard 7,703 milhões de euros e Fernando Lima 2,193 milhões de euros.

O colapso do BPP, banco vocacionado para a gestão de fortunas, verificou-se em 2010, já depois do caso BPN e antecedendo outros escândalos na banca portuguesa.

Apesar da sua pequena dimensão, teve importantes repercussões devido a potenciais efeitos de contágio ao restante sistema quando se vivia uma crise financeira.

Em maio deste ano, o tribunal condenou Rendeiro a 10 anos de prisão efetiva. Foram ainda condenados Salvador Fezas Vital a nove anos e seis meses de prisão, Paulo Guichard a também nove anos e seis meses de prisão e Fernando Lima a seis anos de prisão.

As condenações foram pelos crimes de fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais resultam de um processo extraído do primeiro megaprocesso de falsificação de documentos e falsidade informática.

Já anteriormente, em outro processo também relacionado com o BPP, Rendeiro tinha sido condenado a cinco anos e oito meses de prisão efetiva.

Já em 28 de setembro, o ex-banqueiro foi condenado a três anos e seis meses de prisão efetiva num processo por crimes de burla qualificada.

Na origem deste julgamento está a queixa do embaixador jubilado Júlio Mascarenhas que, em 2008, investiu 250 mil euros em obrigações do BPP, poucos meses antes de ser público que a instituição liderada por João Rendeiro estava numa situação grave e ter pedido um aval do Estado de 750 milhões de euros.

Também neste processo estavam acusados os ex-administradores Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital (o único presente no tribunal). O primeiro foi condenado a três anos de prisão e o segundo a dois anos e seis meses de prisão.

O tribunal decidiu que os ex-gestores do BPP teriam ainda de pagar 225 mil euros por danos patrimoniais e 10 mil euros por danos morais a Júlio Mascarenhas.

Na sequência da decisão, João Rendeiro deu conta, através de um artigo publicado no seu blogue Arma Crítica, de que não estava em Portugal e não pretendia regressar, por se sentir injustiçado.

“É uma opção difícil, tomada após profunda reflexão. Solicitei aos meus advogados que a comunicassem aos processos e quero por esta via tornar essa decisão pública”, escreveu.

Já o ex-administrador do BPP Paulo Guichard decidiu voltar do Brasil para Portugal, onde foi detido em 08 de outubro e libertado uma semana depois, por decisão do Supremo Tribunal de Justiça, depois de analisado o pedido de 'habeas corpus' apresentado pela sua defesa.

Em 04 de novembro, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu colocar a mulher de João Rendeiro em prisão domiciliária com vigilância eletrónica, por suspeitas de crimes ligados às obras de arte do ex-banqueiro e por considerar que havia perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito/investigação e perigo de continuação da atividade criminosa.

Maria de Jesus Rendeiro foi detida no âmbito da operação D’Arte Asas, dirigida pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal e executada pela Polícia Judiciária.

A mulher de João Rendeiro era fiel depositária dos quadros arrestados ao ex-banqueiro, considerando o tribunal que esta sabia das falsificações e do desvio das obras.

A prisão domiciliária da mulher não motivou o regresso do ex-banqueiro, que em 22 de novembro, em entrevista à CNN Portugal, disse que só regressava a Portugal se fosse “ilibado ou com indulto do Presidente [da República]”.

No mesmo dia, Marcelo Rebelo de Sousa disse que “já é tarde” para o ex-presidente do BPP pedir indulto para regressar a Portugal, adiantando que “não é possível sequer examinar”.