Os pais que perdem um filho precisam de tempo para iniciar o processo de reestruturação da sua vida, da família e para se preparem para um regresso à vida laboral. Foi nesse âmbito que Acreditar - Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro lançou uma campanha ("O luto de uma vida não cabe em cinco dias") e uma petição, no início do mês — que já reuniu mais de 53 mil assinaturas —, que propõe a alteração do Regime Legal do Luto Parental.

A proposta visa o alargamento de cinco para 20 dias do período de faltas justificadas que a lei prevê até que os pais regressem ao trabalho após a perda de um filho, defendendo que os pais não estão em condições de voltar a trabalhar num espaço tão curto de tempo. A iniciativa marca o mês internacional de sensibilização para o cancro pediátrico.

Na sequência da petição da Acreditar, os partidos tomaram a iniciativa (como ainda não foi entregue no Parlamento só depois poderá ser agendada para debate) já que as petições não são votadas, mas discutidas, cabendo por isso aos partidos apresentarem iniciativas legislativas com base nestas petições.

Foi o que sucedeu neste caso concreto: a petição vai mesmo levar a discussão do alargamento do luto parental ao Parlamento porque na quarta-feira o PAN confirmou a entrega de um projeto de lei para o efeito — que faz referência à petição lançada na semana passada pela Acreditar.

"Ficamos satisfeitíssimos"

Sobre a reação dos partidos à petição, Margarida Cruz, diretora-geral da Acreditar, afirma que a associação está satisfeita.

"Ficamos satisfeitíssimos. Podermos ter reações tão positivas de uma grande parte dos partidos que estão representados na Assembleia da República é uma coisa que nos deixa muito satisfeitos, porque o nosso objetivo é precisamente conseguir o alargamento que permite aos pais em luto terem o seu tempo, um pouco de recuperação", disse ao SAPO24.

Porém, apesar de já terem ultrapassado as 50 mil assinaturas em apenas nove dias, para a diretora-geral ainda há uma meta a alcançar: "Tínhamos um objetivo, desde o início, quando lançamos a petição, que era a recolha de 100 mil assinaturas, porque entendemos o número como simbólico e como sendo uma expressão inequívoca de que a sociedade aderia a esta ideia e sentia também esta necessidade e gostávamos que essa expressão fosse massiva. Por isso, estamos a contar que quando atingirmos as 100 mil assinaturas entregaremos a petição".

Margarida Cruz refere ainda que "estas coisas às vezes perdem um bocadinho o embalo inicial", mas que a intenção é continuar "a divulgar e a sensibilizar".

"A partir do momento em que temos o mínimo de assinaturas podemos fazer a entrega, mas acho que podemos aproveitar esta ‘oportunidade’ para falar um pouco sobre uma questão que a nossa sociedade não debate, que é a questão do luto, e principalmente a do luto dos pais, que sendo uma coisa rara e quase contranatura é algo de que se fala pouco", justifica.

"Portanto, o nosso objetivo, além da alteração da lei, que é o principal, é que se fale de um assunto que é quase um tabu na nossa sociedade, porque isso ajuda os pais também a viver o luto de outra forma, a poderem sentir-se à vontade para falar de uma coisa que os afeta e que não sentem que tenham essa abertura na sociedade. Aproveitaremos seguramente este período que temos pela frente para falar sobre um assunto que é tão importante para os pais e tentar abrir portas para os ajudar", remata.

Partidos favoráveis à discussão e alteração da lei

Entretanto, outros partidos já se mostraram favoráveis à alteração.

Em entrevista à Rádio Renascença, a ministra Alexandra Leitão também foi questionada sobre a petição e afirmou concordar com a alteração.

"Está a fazer-me uma pergunta sobre a qual eu ainda não pensei enquanto governante, mas eu não consigo deixar de lhe dizer que concordo. Não consigo, porque não concebo a violência de tal situação. Se calhar estou aqui a cometer uma imprudência política mas não consigo deixar de dizer que não concordo", afirmou a ministra.

Assim, também o PS vai avançar, "o quanto antes", com uma iniciativa legislativa para alargar o período de luto parental. "Apoiamos incondicionalmente esta petição. É da mais elementar justiça o alargamento do período de luto parental", declarou a presidente do Grupo Parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes.

O Bloco de Esquerda considera que a atual legislação é cruel e, nesse sentido, a coordenadora do partido, Catarina Martins, afirmou que também já se encontra pronto um projeto de lei para o alargamento do luto parental.

"Ninguém faz o luto de uma criança em cinco dias. Também não fará em 20, mas o mínimo é que as pessoas possam ter algum tempo até retomarem. Se o projeto do BE ainda não é público, acho que já estamos em condições de o distribuir. Ele está pronto", afirmou Catarina Martins.

Jerónimo de Sousa afirmou que o PCP já apresentou várias propostas que iam ao encontro desta questão "muito sensível" e que está disponível para participar nesse debate.

"Vamos agarrar nessas propostas, vamos atualizá-las e naturalmente participar nesse debate com esta ideia de que todos estamos de acordo com a pertinência da proposta, tendo em conta os seus objetivos e dimensão, lá estará o PCP", declarou.

Do lado do PSD, Rui Rio concorda que se deve olhar para a proposta "com sentido de justiça e de humanidade" e sublinha que "não há coisa pior que perder um filho, podia até dar 10 ou 20 anos, que não se recupera", mas remete o debate para a especialidade.

"Estou de acordo, não é que vá de cinco para 20 dias. Estou de acordo que se olhe e se faça uma gradação em função daquilo que é normalidade. Há famílias em que perder uma pessoa, uma sogra, um sogro, possa ser muito mais violento do que noutras famílias. Não podemos legislar para cada uma. Acho que se deve olhar para isso com sentido de justiça, de humanidade e sem exageros, naturalmente", afirma.

Na União Europeia, as licenças de luto parental vão desde um dia em Malta às 26 semanas na Dinamarca.

O diploma do PAN não se ficará, porém, pela questão do luto dos pais. O projeto de lei, com o objetivo de alterar o Código do Trabalho, visa também aumentar de cinco para 15 dias consecutivos o período por "falecimento cônjuge, de unido de facto, de pais e mães, sogros/as, enteados/as, noras e genros". Além disso, propõe ainda "até quinze ou vinte dias consecutivos" de falta justificada para ambos os progenitores após perda gestacional, "conforme ocorra até ou após o primeiro trimestre de gestação, respetivamente". O PAN pretende também "falta justificada para a participação em funeral de tios/as e sobrinhos/as".