Acidente: uma explosão num laboratório biológico na cidade do Porto. Oito pessoas foram retiradas do edifício e postas em isolamento. Uma delas, um homem, está a sangrar. Depois da primeira intervenção das forças civis, o Exército português foi acionado.

Agora, há bombeiros no hospital, vítimas à espera de sair da zona contaminada e equipamentos e Infraestruturas para limpar. Para ajudar, há uma equipa do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto e uma companhia do Exército espanhol, vinda de Badajoz para apoiar no desastre — que não aconteceu, mas podia.

Estas são as informações que o responsável pelo exercício CELULEX21 transmite às equipas no posto de comando. No último dia de prova à capacidade de resposta das forças portuguesas, o simulacro foi montado na parada do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto, na Constituição. O SAPO24 acompanhou uma manhã de teste entre militares portugueses, espanhóis, e civis.

O objetivo é “exercitar a capacidade de resposta do Exército em apoio à população civil, em articulação com todas as entidades nacionais com competências no domínio da defesa”, revela o major Milton Pais ao SAPO24. O exercício começou na Amadora, distrito de Lisboa, no dia 10 e, depois de passar por Mangualde, em Viseu, terminou no Porto.

A torre dos Sapadores é o suposto edifício em cujo interior ocorreu a explosão. Os operacionais verificam o espaço, dentro de volumosos fatos castanhos. No exterior, estão montadas três linhas de descontaminação: uma do Exército espanhol, outra das Forças Armadas portuguesas e, por fim, uma da equipa específica dos Sapadores do Porto.

Entre elas há algumas diferenças — mas são sobretudo estéticas, explica o major: “Visualmente, pode parecer que têm pequenas diferenças, mas as técnicas são muito similares. É mesmo uma metodologia de trabalho que cada exército escolhe, muitas vezes por causa também do equipamento de proteção individual que os seus operacionais usam, que poderá ser distinto. E, decorrente dessa diferente utilização de equipamentos de proteção individual, temos de adaptar as linhas de descontaminação, mas as técnicas ou procedimentos acabam por ser muito similares.”

Ao lado, o responsável pela força espanhola, a Brigada ‘Extremadura XI’, concorda: afinal, são países irmãos — e são países que integram a aliança militar da NATO.

Desastres biológicos sem fronteiras

No coração do quartel dos Sapadores do Porto estava montada, então, uma espécie de gincana dos desastres biológicos. Numa sequência saída de uns Jogos Sem Fronteiras de um mundo distópico, os operacionais percorriam as diversas estações para desempenhar tarefas que iam desde a descontaminação de Infraestruturas e equipamentos, à retirada — e descontaminação — das vítimas civis.

“A forma como construímos este exercício permitiu que todos os participantes exercitasse todas as tarefas; montamos o exercício como se fosse uma prova prática com cinco estações”, diz o major Milton Pais.

Entre fatos mais ou menos volumosos, selados por fita-cola, várias camadas de luvas e diversos tipos de máscaras e respiradores, há elementos que permanecem comuns entre o risco biológico pós desastre e os cuidados para a prevenção da covid-19. Mas entre tanques e diversos tipos de produtos de descontaminação, todos os procedimentos ganham uma escala de gravidade maior. Sob o sol de uma sexta-feira de outubro quente, o cenário não podia ser mais realista.

A força “é constituída por militares provenientes de diversas unidades do Exército. Vamos buscar as componentes que existem espalhadas no exército com capacidade de defesa NBQ e juntamos nesta força tarefa para termos capacidade de resposta”, acrescenta o major sobre o Elemento de Defesa Biológica, Química e Radiológica (ElDefBQR), uma das componentes da resposta do Exército que está permanentemente pronta para situações de catástrofe ou outras emergências complexas.

“O militares que estão aqui neste exercício provêem do Comando das Forças Terrestres em Lisboa; do Regimento de Lanceiros número 2, na Amadora; do Regimento de Engenharia n.º 1 em Tancos; e da Direção de Saúde e do Serviço de Saúde têm militares um bocadinho espalhados desde Lisboa, Tomar, Santa Margarida.”

O exercício serve também para testar novas tecnologias, como um protótipo, vindo da academia, que está a ser usado para descontaminar a cabine de uma ambulância. Desenvolvido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o protótipo, em teste pelos laboratórios do Exército, “é uma tecnologia de base de peróxido de hidrogénio”, explica o Major Wilson Antunes ao SAPO24. “Só que se diferencia das outras tecnologias pelo uso de hidrogénio, que em vez de ser líquido é gasoso.” O facto de se basear num gás e não num líquido torna-o mais eficaz e compatível com o material eletrónico, por exemplo, de uma ambulância.

É o caso em teste no Porto: uma ambulância dos Sapadores serve de cenário. As entradas de ventilação e colunas de som estão tapadas com fita adesiva; uma caixa no lugar do pendura é o dispositivo e, ao lado, um termoventilador prova que tudo isto não passa de um protótipo. Pelo habitáculo, são espalhados pequenos recipientes de plástico, em cujo interior estão “substâncias biológicas vivas, que não são patogénicas”, e vão servir de controlo. Tratam-se de substâncias inofensivas para o organismo humano, “mas que permitem controlar e monitorizar o processo de descontaminação”, explica Wilson Antunes.

Covid-19: um exercício de 18 meses

Com os primeiros casos de covid-19 a aparecer em Portugal em março de 2020, o Exército tem já quase dois anos de trabalho real. Mas antes de o SARS-CoV-2 ser o inimigo, já os procedimentos existiam: “a ameaça que nós temos da pandemia covid-19 para nós, Exército, é uma ameaça que conhecíamos. Simplesmente fizemos uma adaptação de procedimentos que já tínhamos,  como por exemplo para o anthrax para o ébola, e aplicamos na covid-19. Dou-vos o exemplo do descontaminante BIODECON M20, desenvolvido pelo Exército para o anthrax, e é este que estamos a aplicar agora na covid-19, com pequenas alterações”, explica Milton Pais.

“Continuamos sempre preocupados porque vivemos numa situação pandémica. Continuamos a exercitar a capacidade de descontaminação de infraestruturas, a ter todos os cuidados que são necessários para tentar controlar a pandemia e, este ano, com a participação também de uma força espanhola, permitiu-nos visualizar quais eram as técnicas utilizadas pelo nosso país irmão, permitindo-nos também desenvolver e melhorar estas técnicas.”

Tanto assim é que, “durante a pandemia covid-19, estes meios estavam concentrados numa unidade prontos para responder em todo o território nacional e tínhamos uma prontidão de duas horas”, explica ainda Milton Pais.

Numa situação normal, “as capacidades do exército são as mais pesadas. Normalmente, quando há um incidente — seja biológico, químico ou radiológico —,  haverá first responders [socorro inicial], que serão as corporações de bombeiros locais, e outros agentes de Proteção Civil, sendo que ao mesmo tempo deverá ser informado o Exército, para começarmos a mobilizar estes meios”, esclarece.