Questionado pela Lusa sobre o que justifica que, com os recordes de infeções diárias e óbitos por covid-19 a serem batidos quase diariamente, em confinamento, ainda se continuem a verificar aglomerados de gente na rua sem máscara, como aconteceu este fim de semana, o bastonário da Ordem dos Psicólogos lembra que, quando se fala em saúde mental, “é o acumular de situações que pesa nos comportamentos”.

“Não é um fenómeno que surja do nada, este fim de semana toda a gente acordou assim, mas temos de recuar e olhar para o processo ao longo destes meses de pandemia”, sublinha Francisco Miranda Rodrigues.

O especialista explica que “as pessoas estão muito cansadas, muitas delas exaustas e com muita dificuldade em gerir as diferentes dimensões da sua vida num contexto destes” e que, agora, tendo em conta a situação epidemiológica, se assiste a uma espécie de “disruptura face às necessidades humanas que não podem ser desvalorizadas”.

“Independentemente de não devermos ter determinado tipo de comportamento, isso não significa que não sintamos a necessidade de os ter”, recorda, frisando que “nem todos têm as mesmas ferramentas emocionais para lidar com este problema” e que é urgente haver respostas nos cuidados de saúde primários.

“Quanto mais cansados estivermos mais a tomada de decisão [sobre os comportamentos a ter] é automática, mais emocional, e podemos cometer mais erros, ser mais enviesados [na análise]”, acrescenta.

O bastonário destaca também a falta de respostas na área da saúde mental, afirmando que a resposta criada com o poio através da Linha SNS 24 é curta: "Embora tenham sido ciadas algumas respostas, a verdade e que estas respostas, face à dimensão da crise que estamos a atravessar, não são suficientes, particularmente para aquelas pessoas que têm mais vulnerabilidades e menos recursos".

Sobre a comunicação, o bastonário da Ordem dos Psicólogos dá o exemplo do natal, quando a perceção de risco da população já era baixa e os sinais que foram dados, com o aligeirar de medidas, foram em sentido contrário.

“Após a reunião do Governo com os especialistas percebeu-se que há uma queda clara na perceção de risco e isso tem que ver com conjunto de circunstâncias. Se na dimensão da comunicação não se trabalha para aumentar a perceção de risco, é isso que as pessoas vão ler”, disse.

“Depois, quando aparece a mensagem ‘agora é a sério’, isso não é imediato. As pessoas não conseguem fazer essa leitura de imediato”, acrescenta.

O bastonário lembra a necessidade de estabilizar a mensagem para acertar o alvo: “Tendo em conta perceção de risco que pelos vistos existia da população que já era baixa, interrogo-me sobre o que terá estado na origem de se ter feito uma comunicação e tomado medidas menos agravadas no natal”.

“Porque é que as mensagens e as medidas nessa altura não foram coerentes com a necessidade que agora se percebe (…) de que se devia ter feito o contrário para aumentar a perceção de risco da população”, questiona.

Francisco Miranda Rodrigues admite que possa ter havido “uma intenção de aliviar o impacto psicológico [da pandemia]”, mas equaciona “se não terá sido pouco coerente face à perceção de risco, que já era baixa”, recordando, contudo, que este “é um equilíbrio muito difícil de se conseguir”.

Ainda sobre a dificuldade de perceção das mensagens, o bastonário diz que, ao longo dos meses, era preciso definir para que grupo populacional se está a comunicar e usar um canal específico, dirigido a esse grupo, e não falar como se fosse para todos.

“Por exemplo, se nos adolescentes a perceção de risco é mais baixa, tenho de passar a mensagem apenas para esse grupo, e não fazer uma comunicação para a população em geral, dirigida a esse grupo. Senão vai ser uma baralhação”, explica o bastonário, sublinhando que “só assim se consegue aumentar a perceção de risco e mudar comportamentos”.

“O que se assistiu foi a uma comunicação dirigida a grupos diferentes pelos menos canais e isso leva a que as pessoas dos outros grupos recebam mensagens que não lhes eram dirigidas. Esta confusão de mensagens cria ruído e já sabemos que quando há muita confusão, as pessoas desligam”, afirmou.

Psicólogos pedem reforço das respostas na saúde mental

O bastonário dos Psicólogos considera insuficientes as respostas criadas na área da saúde mental, diz que há pessoas a recorrer diretamente à Ordem a pedir ajuda e lembra a urgência de apoiar os profissionais de saúde.

O bastonário Francisco Miranda Rodrigues contou à agência Liusa que começam a chegar pedidos de pessoas diretamente à Ordem dos Psicólogos, “que é uma coisa que não acontecia”: “Dizem que recorreram ao serviço de aconselhamento da linha SNS24, mas que não chega, que precisam de ter apoio continuado e não têm recursos e não existe resposta nos centros de saúde”.

“Apesar de criadas algumas respostas para ajudar as pessoas a lidarem com a situação, face à dimensão da crise que estamos a atravessar, essas respostas não são suficientes (…), sobretudo para quem tem mais vulnerabilidades e menos recursos”, explica.

O responsável lamenta que a situação excecional do estado de emergência por causa da pandemia de covid-19 tenha servido para encontrar soluções a vários níveis para as medidas a tomar, mas que não tenha ajudado a desbloquear um concurso de 2018 para contratar 40 psicólogos para os centros de saúde, que ainda continua por terminar.

“É difícil perceber (…). Há 10.000 contratações a decorrer para os inquéritos epidemiológicos, mas não há dinheiro para pagar os 250 da proposta de há três ou quatro anos atrás para os cuidados de saúde primários”, disse o bastonário da Ordem dos Psicólogos, sublinhado que os dados das necessidades a este nível, face à pandemia, até estariam já desatualizados.

“Há imensas pessoas em sofrimento a verem a sua vida a degradar-se, sem dinheiro, a ficarem sem emprego, basta olhar para aquelas áreas como a cultura, a restauração ou o turismo. O impacto económico está a causar mais problemas e a ter impacto psicológico tremendo”, afirmou.

“A isto juntam-se os lutos, com os mortos a aumentarem, e a dificuldade que é as pessoas terem de lidar com esta situação, além do aumento no número de internamentos o que faz com que haja mais pessoas com dificuldades em lidar com a ansiedade e depressão ligadas a essas situações”, acrescentou.

O bastonário reconhece que o apoio criado através da Linha SNS24 e com alguns psicólogos nas escolas, mas sublinha que, a população em geral continua com o mesmo número de respostas: “O Governo talvez tenha contratado entre 30 a 50 profissionais temporariamente nos regimes de resposta à pandemia, mas isso é insuficiente”.

“Antes de culpabilizar o comportamento que cada um tem de ter, e tem de ter mesmo, é essencial que cada um faça o que puder para ter um comportamento que o proteja a si e aos outros, olhando para isto como esforço essencial para ver a luz ao fundo do túnel, para que os que são mais vulneráveis do ponto de vista da saúde física consigam ver benefícios da existência de vacinas”, defendeu.

Sublinha que “nem todos estão nas mesmas condições para fazer este esforço” e diz que a cada mês de crise pandémica “há cada vez mais pessoas que têm dificuldade em fazer isso sozinhos”.

Francisco Miranda Rodrigues destaca ainda a urgência de dar resposta aos profissionais de saúde que estão na linha da frente: “Já estamos a um nível de exaustão dos profissionais de saúde em que não bastará a resposta que é dada atualmente”.

“Estes profissionais estão num nível de ‘burnout’ em que precisam de outro tipo de apoio e esse apoio não é dado por estas intervenções breves [da linha sns24]. Podem ser à distância, mas têm de ser mais prolongadas, com mais sessões e, para isso, o SNS não tem capacidade de resposta”, afirmou.

Afirmando compreender que “são muitas as prioridades porque é preciso chegar a muito lado ao mesmo tempo”, o bastonário recorda: “A saúde mental não é de menor importância. As pessoas também morrem devido a este impacto e sofrerão durante muitos anos”.

(Artigo atualizado às 13:51)