“Os livros são feitos para serem lidos. Mas, segundo o investigador Hervé Baudry, nem tudo pode ser dito. Daí que, em todos os tempos e em todos os lugares, existam formas de controlo para impedir a circulação de certos conteúdos, textos escritos e não só”, lê-se no texto de apresentação da mostra, divulgado pela Biblioteca Nacional de Portugal (BNP).

No dossier de apresentação, o próprio investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova, recorda que, “na cultura letrada europeia, que passou da circulação manuscrita à do impresso, fixar os cânones, impor a ortodoxia”, remete “para uma história de debates e tragédias, com práticas às vezes negociadas, na maior parte do tempo impostas, e também com incidência no destino individual”.

Hervé Baudry recorda o filósofo Giordano Bruno, queimado em Roma em 1601, “figura de destaque na história dos assassinatos legais”, e António José da Silva, o dramaturgo chamado ‘o Judeu’, executado da mesma forma, em Lisboa, em 1739.

“Há mil maneiras de prevenir o mal, e outras mil de o reprimir, quer na era dos papiros, quer na da internet. Quando se fala em censura de livros, pensa-se de imediato no desaparecimento físico ou no impedimento de circulação das obras”, escreve.

Baudry recorda, no entanto, que, comparada com a eliminação do autor, “a expurgação” dos livros, pode parecer um mal menor.

“Aqui, a correção não é das almas e dos corpos, mas sim das palavras. Reveste três modalidades: além da pura e simples supressão, corrigir, em casos menos frequentes, significa substituir ou acrescentar, como o mostram os exemplares expostos”.

Na prática, “palavras, frases ou passagens, de maior ou menor extensão, tinham se ser suprimidas para que a obra continuasse a poder ser lida”.

É desta situação, designada como “intervencionismo microcensório”, que a exposição da BNP trata.

“As obras alvo desta censura textual não eram escolhidas ao acaso. Usavam-se listas. A burocracia bibliográfica inquisitorial portuguesa inspirava-se no trabalho feito em outros países, quer neles vigorasse a Inquisição, como Espanha ou Itália, quer não, como França, Alemanha ou Boémia”, escreve Hervé Baudry.

A história editorial dos índices de livros proibidos, cada vez mais amplos, começa por listas manuscritas e rapidamente passam a ser impressas, a partir de 1544, em Paris.

Em Portugal, uma lista manuscrita intitulada “Prohibição dos livros defesos” (1547), inaugura uma série que, nesta exposição, culmina com o “Index auctorum damnatae memoriae”, de 1624, que contém as mais de 26.000 instruções com força de lei para expurgar mais de um milhar de títulos.

Porquê e como aconteceu este processo inquisitorial de expurgação são algumas das questões ilustradas por “exemplares vítimas de repressão textual ao longo dos três últimos séculos do Antigo Regime”, patentes na exposição.

A mostra apresenta, assim, as origens diretas deste modo de controlo nos livros já editados, produzidos em Portugal e importados, os meios desenvolvidos e os efeitos de um trabalho de limpeza textual massivo, planeado e meticuloso.

“Bibliotecas Limpas: Censura dos livros impressos nos séculos XV a XIX” pode ser vista até 23 de abril e terá visitas guiadas nos dias 05 e 23 de março, às 14:30 e 17:30, respetivamente.