Encomendada pela organização de direitos humanos Human Rights Watch, a análise dos especialistas identifica ainda falhas sérias na recolha e preservação de provas neste caso.

Os relatórios, baseados em análises independentes detalhadas aos relatórios das autópsias a nove das 13 pessoas mortas durante a operação, sugere que a polícia militar pode ter levado os corpos das pessoas que mataram para o hospital, com a desculpa de que os estavam a tentar salvar.

Durante mais de uma década, a Human Rights Watch documentou casos semelhantes de “falsos resgates” no Rio de Janeiro, nos quais a polícia usava este ardil para destruir as provas da cena do crime e dificultar as investigações.

“As autoridades estatais do Rio de Janeiro precisam de acabar com a prática dos ´falsos resgates`, exigindo que a polícia solicite serviços médicos, como procedimento regular, para levar as vítimas de tiroteio policial para os hospitais e punirem os policiais que destruam as provas da cena do crime”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas.

A organização enviou hoje os dois relatórios dos especialistas forenses internacionais para os procuradores estaduais. A alteração ou destruição de provas, se ficar demonstrada, constitui um crime de fraude processual segundo a lei brasileira, punida com pena de prisão até quatro anos.

Em 08 de fevereiro de 2019, a polícia militar — que patrulha as ruas brasileiras — conduziu uma operação nos bairros Fallet, Fogueteiro e Prazeres — matando 13 pessoas. Os polícias militares afirmaram que abriram fogo após os suspeitos atirarem contra eles. A polícia não relatou qualquer ferimento de agentes policiais.

Nove das vítimas, oito homens negros e um jovem negro de 16 aos, foram mortos na mesma casa pelo Batalhão de Choque, uma unidade da polícia militar de elite do Rio de Janeiro.

A Human Rights Watch providenciou cópias das autópsias das nove vítimas ao Conselho Internacional de Reabilitação de Vítimas de Tortura (IRCT) e à Fundação de Antropologia Forense da Guatemala (Fundación de Antropología Forense de Guatemala, FAFG), cujos especialistas realizaram as análises ´pro bono`.

A Human Rights Watch não conseguiu obter as autópsias dos outros quatro assassínios, que a polícia civil investigou separadamente.

Apesar da baixa qualidade das autópsias que impossibilitaram a conclusão definitiva de que todas as vítimas morreram na cena do crime, os especialistas do IRCT determinaram que as vítimas tinham sofrido múltiplos ferimentos de bala e sinais de trauma severo.

Os especialistas forenses reportaram que estes ferimentos “terão levado rapidamente à morte das vítimas” e que num dos casos eram tão graves que terão causado a morte instantaneamente.

Todas as nove vítimas tinham ferimentos de bala que perfuraram os pulmões e oito tinham ferimentos no coração, entre outros que a autópsia identificou.

Os oficiais da polícia militar afirmaram aos investigadores da polícia civil que tinham usado espingardas durante a operação, as quais causam danos muito maiores devido à velocidade com que os projeteis são lançados.

Por exemplo, FGA, 21 anos, sofreu três tiros de curta distância, dois na cabeça e um no corpo, e quatro tiros em outras partes do corpo. O crânio foi fraturado e os vasos sanguíneos no pescoço destruídos. A autópsia revelou que as balas perfuraram o coração, um pulmão, o diafragma, fígado, estômago e intestinos. Um vídeo gravado no hospital e uma foto incluída no relatório policial mostrou a vítima com o tronco aberto e os intestinos fora do corpo.

No entanto, os polícias militares afirmaram aos investigadores da polícia civil que FGA e as outras oito vítimas estavam vivas quando os levaram para o Hospital Municipal Sousa Aguiar, para os tentar salvar. Todos estavam mortos quando chegaram.

A mãe de uma das vítimas disse à Defensoria Pública que viu uma carrinha da polícia junto à casa onde se registou o tiroteio com cadáveres e polícias sentados em cima deles.

Tanto a polícia militar como a civil encerraram as suas investigações ao caso em 2019 após concluírem que não havia provas de que os oficiais cometeram qualquer crime.

Os relatórios da autópsia referem que a polícia não solicitou a análise de resíduos de pólvora, o que seria crucial para verificar se as vítimas tinham de facto aberto fogo contra os policiais, como alegou a polícia militar.

Os especialistas forenses internacionais identificaram graves omissões e erros nos relatórios das autópsias, concluindo que estas não cumpriram os padrões mínimos profissionais e científicos, devido à sua “absoluta falta de qualidade”.

Em declarações à Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro e à Defensoria Pública, a mãe de uma das vítimas disse que os jovens tentaram entregar-se à polícia e que gritaram por socorro antes que a polícia os matasse. Os polícias foram igualmente acusados de torturar as vítimas.